Adeus
Oh! Vai... Para sempre adeus! Vai que há justiça nos céus. Sinto gerar na peçonha Do ulcerado coração Essa vibora medonha Que por seu fatal condão Há-de rasgá-lo ao nascer: Há-de sim, serás vingada, E o meu castigo há-de ser Ciume de ver-te amada, Remorso de te perder.
Vai-te, oh! Vai-te, longe, embora Que sou eu capaz agora De te amar - Ai! Se eu te amasse! Vê se no árido pragal Deste peito se ateasse De amor o incêndio fatal! Mais negro e feio no inferno Não chameja o fogo eterno.
Que sim? Que antes isso? - Ai, triste!
Não sabes o que pediste. Não te bastou suportar O cepo-rei; impaciente Tu ousas a deus tentar Pedindo-lhe o rei-serpente.
E cuidas amar-me ainda? Enganas-te: é morta, é finda, Dissipada é a ilusão. Do meigo azul dos teus olhos Tanta lágrima verteste, Tanto esse orvalho celeste Derramado o viste em vão.
Nesta seara de abrolhos, Que a fonte secou. Agora Amarás... Sim, hás-de amar, Amar deves... Muito embora... Oh! Mas noutro hás-de sonhar Os sonhos de oiro encantados Que o mundo chamou Amores.
E eu réprobo?... Eu se o verei? Se em meus olhos encovados dera a luz dos teus ardores... Se com ela cegarei? Se o nada dessas mentiras Me entrar pelo vão da vida... Se, ao ver que feliz deliras, Também eu sonhar... Perdida Perdida serás - Perdida.
Oh! Vai-te, vai, longe, embora! Que te lembre sempre e agora Que não te amei nunca... Ai! Não; E que pude a sangue frio, Covarde, infame, vilão, Gozar-te - Mentir sem brio, Sem alma, sem dó, sem pejo, Cometendo em cada beijo Um crime - Ai, triste, não chores, Não chores, anjo do céu, Que o desonrado sou eu.
Perdoar-me, tu?... Não mereço. A imundo cerdo voraz Essas pérolas de preço Não as deites: é capaz De as desprezar na torpeza De sua bruta natureza. Irada, te há-de admirar, Despeitosa, respeitar, Mais idulgente... Oh! O perdão É perdido no vilão, que de ti há-de zombar.
Vai, vai... para sempre adeus, Para sempre aos olhos meus Sumido seja o clarão Da tua divina estrela. Falta-me olhos e razão Para ver, para entendê-la: Alta está no firmamento demais e demias é bela Para o baixo pensamento Com que em má hora a fitei; Falso e vil o encantamento Com que a luz lhe fascinei. Que volte à sua beleza Do azul do céu a pureza, E que a mim me deixe aqui Nas trevas em que nasci, Trevas negras, densas, feias, Como é negro este aleijão De onde me vem sangue às veias, Este que foi coração, Este que amar-te não soube Porque é só terra - e não cabe Nele uma ideia dos céus... Oh! Vai, vai; Deixa-me, adeus!