sexta-feira, novembro 11, 2005

Adeus

Adeus! Para sempre adeus! Vai-te, oh! Vai-te, que nesta hora Sinto a justiça dos céus Esmagar-me a alma que chora. Choro porque não te amei, Choro o amor que me tiveste; O que perco bem no sei, Mas tu… tu nada perdeste: Que este mau coração meu Nos secretos escarninhos Tem venenos tão daninhos Que o seu poder só sei eu.

Oh! Vai... Para sempre adeus! Vai que há justiça nos céus. Sinto gerar na peçonha Do ulcerado coração Essa vibora medonha Que por seu fatal condão Há-de rasgá-lo ao nascer: Há-de sim, serás vingada, E o meu castigo há-de ser Ciume de ver-te amada, Remorso de te perder.

Vai-te, oh! Vai-te, longe, embora Que sou eu capaz agora De te amar - Ai! Se eu te amasse! Vê se no árido pragal Deste peito se ateasse De amor o incêndio fatal! Mais negro e feio no inferno Não chameja o fogo eterno.

Que sim? Que antes isso? - Ai, triste!

Não sabes o que pediste. Não te bastou suportar O cepo-rei; impaciente Tu ousas a deus tentar Pedindo-lhe o rei-serpente.

E cuidas amar-me ainda? Enganas-te: é morta, é finda, Dissipada é a ilusão. Do meigo azul dos teus olhos Tanta lágrima verteste, Tanto esse orvalho celeste Derramado o viste em vão.

Nesta seara de abrolhos, Que a fonte secou. Agora Amarás... Sim, hás-de amar, Amar deves... Muito embora... Oh! Mas noutro hás-de sonhar Os sonhos de oiro encantados Que o mundo chamou Amores.

E eu réprobo?... Eu se o verei? Se em meus olhos encovados dera a luz dos teus ardores... Se com ela cegarei? Se o nada dessas mentiras Me entrar pelo vão da vida... Se, ao ver que feliz deliras, Também eu sonhar... Perdida Perdida serás - Perdida.

Oh! Vai-te, vai, longe, embora! Que te lembre sempre e agora Que não te amei nunca... Ai! Não; E que pude a sangue frio, Covarde, infame, vilão, Gozar-te - Mentir sem brio, Sem alma, sem dó, sem pejo, Cometendo em cada beijo Um crime - Ai, triste, não chores, Não chores, anjo do céu, Que o desonrado sou eu.

Perdoar-me, tu?... Não mereço. A imundo cerdo voraz Essas pérolas de preço Não as deites: é capaz De as desprezar na torpeza De sua bruta natureza. Irada, te há-de admirar, Despeitosa, respeitar, Mais idulgente... Oh! O perdão É perdido no vilão, que de ti há-de zombar.

Vai, vai... para sempre adeus, Para sempre aos olhos meus Sumido seja o clarão Da tua divina estrela. Falta-me olhos e razão Para ver, para entendê-la: Alta está no firmamento demais e demias é bela Para o baixo pensamento Com que em má hora a fitei; Falso e vil o encantamento Com que a luz lhe fascinei. Que volte à sua beleza Do azul do céu a pureza, E que a mim me deixe aqui Nas trevas em que nasci, Trevas negras, densas, feias, Como é negro este aleijão De onde me vem sangue às veias, Este que foi coração, Este que amar-te não soube Porque é só terra - e não cabe Nele uma ideia dos céus... Oh! Vai, vai; Deixa-me, adeus!

2 comentários:

Maria Azenha disse...

belíssimo o seu espaço.


gostei imenso.

Filipa Moreira disse...

Sempre que leio este poema, sinto-me bem. (Que seria de mim sem a poesia de Almeida Garrett?)

Obrigado pelo comentário, mas não consegui perceber quem és... POdes ser mais especifico/a, e deixar um nome?