sábado, outubro 15, 2005

Sanatas

"Deixei tantas coisas para trás o longo da minha vida! Deixei amigos, ideais… Sei lá… É estranho verificar como uma pessoa vai mudando a sua maneira de ser e o mundo que a rodeia. E o mais irónico de todo esse processo é que quase nunca percebemos que somos nós que estamos a mudar.

Preferimos pensar que são os outros que são instáveis e umas autênticas crianças. Pois quando eu for grande, não quero pensar assim. Por agora ainda penso, mas mais tarde vou mudar.

Um dia destes ainda público um livro, "As Crónicas de Sanatas". Mas será que haverá alguém para ler? Não estarão todos demasiadamente preocupados consigo e com a sua própria vida para se darem ao luxo de parar para conhecerem o modo como penso? Se calhar, o meu namorado é que tem razão. Se calhar, o melhor mesmo é viver o momento sem pensar nos outros, no futuro. Se calhar, o melhor é virarmo-nos, nós também, para os nossos mundos e esquecer os outros.

Hoje vi muitas pessoas a chorar. Eu própria quase chorei. Todas nós tínhamos algo em comum, um sentimento que bem ou mal nos unia. E eu não tenho vergonha de chorar quando é preciso.

Se me quisessem descrever, psicologicamente, neste momento, teria de dizer que pareço um farrapo. Um daqueles panos velhos que todos temos em casa, cheio de buracos, já sem a vivacidade das cores iniciais. Um farrapo que vai cumprindo a sua função mas que todos sabem que, mais cedo ou mais tarde, vai ter de colocar um ponto final em tudo.

Não sei, neste momento, em que acredito, se acredito em algo, incluindo eu própria. Sentada a esta mesa, questiono o meu passado recente, as encruzilhadas em que estive, as escolhas que fiz, os trilhos que tracei para mim e para os que me acompanham.

No final, sempre a mesma dúvida: será que vale a pena? Fernando Pessoa diria que tudo vale a pena se a alma não for pequena, mas o que sabe Fernando Pessoa sobre mim? O que sabia sobre si próprio? É giro ir escrevendo umas frases soltas, com uma multiplicidade de interpretações, mas será só isso a vida? A existência? Nem sei o que estou a fazer… Fernando Pessoa é um dos poucos poetas que admiro. Qualquer dia estou a dizer o mesmo de mim. só ainda não o fiz porque existe um fino filamento que me segura aqui, seja lá isto o que for. E são as pessoas que admiro que tecem este fio.

E sei que se um dia acordar e elas não estiverem aqui, ao alcance não de uma mão mas de uma lágrima, então aí sim. Aí estarei perdida, sem volta. Mas até lá, vou remendando os buracos que este farrapo tem.

A vida não é vida sem dois pares de braços. Por um lado temos os braços mais importantes do mundo, que são os braços da pessoa que escolhemos (ou o Destino escolheu por nós) para partilharmos a nossa vida. Aqueles que quando nos abraçam levam para longe os problemas, o universo que nos rodeia.

Aqueles que nos protegem, que estão sempre lá, mesmo quando erramos e não os merecemos. Aqueles que nos fazem acreditar que somos grandes e magníficos, que temos o poder de vencer…

Depois existem os outros braços. Aqueles que não sendo um porto de abrigo para repousar, são as bases onde nos construímos como pessoas. Aqueles com generosidade suficiente para se abrirem e nos deixar voar, ao sabor do vento, não nos prendendo para nos proteger da tempestade.

Neste momento, dois rostos bailam na minha mente. Aos poucos os buracos tornam-se buraquinhos e quase desaparecem. Há anos pensava que haviam pessoas que nos faziam acreditar que é possível ter um mundo melhor. Hoje posso afirmar que tive o privilégio de conhecer pessoas que tornam, efectivamente, este mundo num mundo melhor."

O sorriso é a chave que abre a porta do coração.

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