quinta-feira, abril 06, 2006

Dor

Muitas vezes sabemos que algo nos faz mal, mas mesmo assim continuamos a seguir as nossas vidas, mudando tudo menos tirando do caminho o que magoa. Porque se por um lado nos causa dor, por outro deixa-nos leves e felizes. Só um simples sorriso tem o poder de tornar tudo muito mais fácil. Os problemas existem, sabemos que sim, e temos de lidar com eles. Noutras alturas, estaríamos a ocupar-nos com todas as coisas possíveis para não termos tempo de tratar do que realmente interessa.

Porém, com um sorriso ao nosso lado e uma mão no nosso ombro enfrentam-se os problemas de frente. Sem recorrer ao ‘depois eu trato disso’ ou ao ‘quando puder’, resolvem-se os problemas para ontem. Ontem, quando tudo deveria já estar resolvido e não estava…

Há algum tempo fiz uma amiga, Guiomar. Guiomar está com problemas; estamos todos. (Uma vez li num e-mail que quando se entra na faculdade se percebe que a depressão não é uma ‘frescura’). Disse-lhe algumas vezes que estava a passar pelo mesmo que ela, mas acho que nenhuma das duas percebeu o sentido das palavras que se deslocaram entre nós.

Na última vez, ela expressou a sua vontade de partir, disse-lhe que também era a minha vontade. MAS como poderia eu partir de um local onde já não estava há muito tempo? Já tinha partido, sem avisar ninguém. Surpreendendo-me até a mim própria quando percebi que partira sem pedir autorização. A menina escrava do seu amor tinha começado a tomar decisões por ela própria. Já não era essa menina; era uma mulher, que não tinha a certeza se o queria o ser já ou não.

Sempre que me deitava para dormir ainda sonhava com o homem perfeito, aquele que o seu coração lhe dizia que existia e estava à sua procura em qualquer parte do mundo e que quando se encontrassem, veriam um ponto de luz no ombro do outro (Paulo Coelho. Sempre Paulo Coelho com a sua forma de acalmar os corações com meia dúzia de parágrafos). De olhos fechados, ainda tinha um quarto cor-de-rosa, uma gaveta cheia de recortes de revista de vestidos de noiva. O boneco na mesa-de-cabeceira que me dizia que iria ser uma mãe fantástica. Sentia que ainda era uma menina, que acredita nos contos da Disney, que chora com eles.

No mundo do dia-a-dia, tinha de ser a recém-adulta. A que sabia exactamente o que queria e como se fazem ligações à base de dados. Mas também tinha direito a problemas. Desejava ser desejada pelos homens e sempre que algum deles a tocava de um modo especial, entregava-se por inteiro. Depois ficava o vazio. O vazio de não se ser compreendido, de ter dado tudo e não ter recebido nada em troca, do dia estar a ficar mais e mais pequeno e a noite maior e maior.

O nosso sangue é vertido pelos infiéis. Vai-se aprendendo coisas novas e lendo novas histórias. Surge a ideia do príncipe encantado ser um vampiro. ‘Assim, sim. Assim já podes, já não és criança’. E o sangue passa a ser a nossa maior dádiva. Aqueles que o bebem querem sempre mais. E nós partimos. Deixando os outros a viver na ilusão, a beber água em vez do nosso sangue. Pelo menos alguém tinha de sobreviver. E sobrevive-se…

No outro sítio, onde estou agora, mas ainda não sei onde é, aí continuo a sonhar. Continua a haver um homem (tem de haver sempre um homem), por quem verteria todo o meu sangue, mas que me faz acreditar que o mundo não tem de ser mau…

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